PSICOLOGIA
Adriana Campos
Comportamentos autolesivos na adolescência
Embora não haja intencionalidade de acabar com a vida na automutilação, os jovens que a cometem correm um maior risco de suicídio. Esse comportamento é mais frequente entre os 13 e os 15 anos, sendo o evento precipitante mais frequente a ocorrência de problemas no grupo de pares.
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“ - Diz-me o que estás a pensar – pedi-lhe. - Comecei a cortar-me em criança – disse ele.
Senti um baque no coração.
- Com uma faca?
- Sim.
- Porquê?
- Às vezes sentia que o peito me ia explodir. Cortar-me aliviava-me.
- E não te doía?
- Claro que doía! Atirou a cabeça para trás e soltou uma boa gargalhada.
- Mas quando doía mesmo a sério eu ficava completamente entorpecido.
Abriu as mãos e abanou-as. Atirei-lhe a bola de volta.
- Fazias isso muitas vezes? – perguntei.
- Talvez uma vez por semana.”
Zimler, R. (2013). A sentinela. Porto: Porto Editora.
Quando penso escrever sobre uma determinada temática, sou sempre assaltada pelas mesmas dúvidas: terá interesse? Poderá ser útil? O tema é atual e suficientemente interessante para que alguém pare alguns minutos a ler?
A escolha deste tema resultou do encontro de três fatores: a leitura de mais um livro fascinante de Richard Zimler, do qual extraí o diálogo inicial; a informação recentemente divulgada de que, efetivamente, os comportamentos de automutilação têm apresentado um aumento significativo na adolescência; e o contacto com situações de automutilação no meu contexto profissional.
A automutilação é definida na Wikipedia como: “qualquer comportamento intencional envolvendo agressão direta ao próprio corpo, sem intenção consciente de suicídio. Os atos geralmente têm como intenção o alívio de dores emocionais”. Embora não haja intencionalidade de acabar com a vida na automutilação, os jovens que a cometem correm um maior risco de suicídio. Esse comportamento é mais frequente entre os 13 e os 15 anos, sendo o evento precipitante mais frequente a ocorrência de problemas no grupo de pares. Um aspeto que também é importante referir é que o “efeito contágio” é muito frequente neste tipo de problemática.
No diálogo inicial, a personagem que se automutila apresenta dois grandes fatores de risco na sua história de vida: vivenciou experiências profundamente traumáticas na infância, dado que foi alvo de abuso físico e emocional por parte da figura paterna e vivia num contexto familiar globalmente muito disfuncional. Para além dos fatores de risco já referidos, outros poderão ser acrescentados, nomeadamente: pertencer ao sexo feminino, apresentar baixa escolaridade, abusar de drogas, apresentar problemas ao nível do grupo de pares, apresentar determinadas características de personalidade (designadamente, grande impulsividade, ansiedade e irritabilidade).
Através da minha própria experiência profissional, tenho vindo a constatar que os jovens que recorrem à automutilação apresentam frequentemente dificuldades acentuadas ao nível da resolução de conflitos. Frequentemente evitam o conflito e têm grande dificuldade em verbalizar os seus sentimentos.
A realização de cortes na pele, utilizando tesouras ou x-atos, e a ingestão de medicamentos são as técnicas mais usadas para infligir dor no próprio corpo.
“Felizmente o meu filho(a) nunca teve comportamentos deste tipo.” Se este é o pensamento que lhe ocorre após a leitura deste texto, então coloco a dúvida: “Será que não?”. Quando os pais são abordados relativamente a esta questão, geralmente demonstram perplexidade. Como é que os pais nunca viram? - perguntar-se-ão os leitores. A verdade é que os cortes andam geralmente bem tapados, pois, contrariamente ao que muitos pensam, o objetivo da automutilação não é chamar a atenção. Como já foi referido, com muita frequência o objetivo é abafar o sofrimento causado por uma intensa dor emocional fazendo sobrepondo-se-lhe uma forte dor física.
Como prevenir que isto venha a acontecer ao meu filho? Esta é a questão a que procurarei responder num próximo artigo!
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