EDUCAÇÃO
Armanda Zenhas
Na rua com histórias
Com histórias, estamos bem. Na rua, em casa, sozinhos, acompanhados. A ouvir, a contar, a ler, a escrever, e sempre, sempre, a sentir e a partilhar.
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Pandemia deixou de ser, para nós, uma palavra distante; entrou pelas nossas vidas sem convite e não nos deixa adivinhar a data da sua partida. Consigo não trouxe só doença. Trouxe medo, sofrimento, perda, solidão. Os setores da população mais expostos a estes males ficaram mais visíveis. Um desses setores: os idosos. Vulneráveis pela menor capacidade de defesa ao vírus; vulneráveis pelo agravado peso da solidão. Outro setor em que estas vulnerabilidades se intensificam, acrescentadas da (ainda maior) marginalização e exclusão de que são alvo, é o das pessoas em situação de sem abrigo.
“NA RUA COM HISTÓRIAS - UMA BIBLIOTECA PARA TODOS"
É um projeto que leva as histórias aos excluídos e valoriza as suas histórias. Com as diversas vertentes de que se compõe, a solidão perde espaço. Do seu site, retirarei várias transcrições para melhor o dar a conhecer. Surgido em 2016, nasceu com a missão de “combater a solidão e a iliteracia, através da leitura, da empatia, e dos laços humanos que nascem através das histórias, chegando a quem se sente isolado por viver em situação de sem-abrigo ou numa casa, apesar de se encontrar no centro da cidade de Lisboa”. Elsa Serra, a “mãe” deste projeto, aliou o seu gosto pelas histórias à compreensão vivida da importância que elas têm para ajudar a ultrapassar o problema do isolamento. Neste projeto, acredita-se “no poder transformador da leitura e da sua partilha”.
Um tuk-tuk elétrico, estreito como são os tuk-tuk, torna-se hábil e potente para se encolher pelas ruas estreitas de Lisboa e para trepar pelas suas ladeiras, chegando aos sítios mais remotos e esquecidos.
“Na rua com histórias” leva as histórias à rua ou às casas através de quatro componentes principais:
A BIBLOTECA ITINERANTE
Ao longo da semana, com horários e locais fixos, o tuk-tuk abre-se nas ruas dos bairros históricos de Alfama, Graça e Mouraria, transformando-se numa biblioteca com prateleiras recheadas de livros. Em seu torno, num ápice surge um espaço acolhedor, em que as cadeiras e bancos rapidamente dispostos junto do tuk-tuk colorido e o sorriso rasgado da Elsa e das suas companheiras chamam pessoas que se sentam a ouvir as histórias que elas contam ou a requisitar livros, revistas ou jornais.
LER DOCE LER
Esta atividade destina-se a pessoas que vivem sozinhas, preferencialmente idosas ou com problemas de mobilidade, que se inscrevem previamente. Semanalmente, voluntários visitam essas pessoas levando-lhes leituras em voz alta, escuta ativa das suas histórias, conversa interessada e vontade de criar laços de confiança e afeto.
HISTÓRIAS QUE SOMOS
No contexto de partilha e de desenvolvimento de laços de afeto e de confiança na vertente “Ler doce ler” do projeto, acontece as histórias das pessoas saltarem da solidão em que se encontram. E surge esta outra dimensão: “Histórias que somos”. Os voluntários recolhem essas histórias, “testemunhos reais de pessoas que cresceram e ainda vivem nesses bairros”, porque “são as pessoas que os habitam que lhes dão matéria e sentido”, lhes dão a sua “identidade e cultura popular” únicas e o seu “património tão rico em tradições, expressões, hábitos e estórias”. Este património imaterial está recolhido num Museu Virtual.
BIBLIOTECA INCLUSIVA
O tuk-tuk colorido tem, ainda, um ponto de paragem semanal, com local e horário específicos, para as pessoas em situação de sem abrigo, para que possam requisitar livros, periódicos e outras publicações. A biblioteca itinerante “Na Rua com Histórias - Uma biblioteca para Todos” associa-se, nesta sua atividade, à Associação Conversa Amiga, para um trabalho de parceria no combate à solidão e na promoção da inclusão social. Em parceria com a Congregação das Irmãs Oblatas, o tuk-tuk colorido, com os mesmos objetivos, leva também a biblioteca inclusiva até mulheres que exercem a prostituição. E dos encontros da biblioteca inclusiva com estes setores da população tão excluídos e desrespeitados, não há partilhas apenas das histórias dos livros; devolve-se dignidade, partilham-se histórias de vida, criam-se laços.
Este projeto vive do apoio de muitos parceiros e do trabalho dos voluntários que nele participam e está aberto à entrada de novos voluntários. Vale a pena a visita ao site da biblioteca itinerante “Na Rua com Histórias - Uma biblioteca para Todos”.
Era uma vez um projeto que nasceu há sete anos. Foi crescendo, alegre e saudável, até que a pandemia obrigou o tuk-tuk colorido, os responsáveis, os colaboradores e os utentes do projeto a um confinamento triste, mas em que todos se mantêm ligados pelas memórias e pelos afetos. As histórias querem continuar a percorrer as ruas estreitas e íngremes dos bairros de Lisboa no tuk-tuk colorido; querem continuar a ser contadas, ouvidas, partilhadas, recolhidas. Querem continuar a espalhar afeto, a diminuir solidão, a criar inclusão. Estou certa de que o tuk-tuk estará a pensar em formas de alargar ainda mais a sua partilha de leituras e de afetos; de chegar a um número cada vez maior de pessoas excluídas da/pela sociedade e de promover a sua inclusão. E será uma vez um dia em que a covid deixará de ser a doença pandémica e brutal que é hoje.
E, nesse dia - ou muito antes mesmo -, o tuk-tuk voltará às ruas, espalhando magia.
Professora profissionalizada nos grupos 220 e 330. Licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas, nas variantes de Estudos Portugueses e Ingleses e de Estudos Ingleses e Alemães, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Professora profissionalizada do 1.º ciclo, pela Escola do Magistério Primário do Porto.
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